Complexidade e Solidariedade: Dando Sentido à Agilidade Solidária
Crédito da Foto: Kasia Strek - Todos os Direitos Reservados
A foto que ilustra este texto é da premiada fotógrafa polonesa Kasia Strek. Esta imagem faz parte de uma coleção de registros emocionantes de solidariedade que emergem a partir de uma tragédia. Tanto na Polônia quanto na maior parte do mundo, envelhecer com qualidade de vida é um desafio. Para alguns desses velhinhos, a situação supera o âmbito do desafio e se manifesta como a tragédia de um final de vida desassistido, em completo desamparo.
Os gregos antigos tinham na tragédia uma grande fonte de significado para os acontecimentos da vida. São muitas histórias deixadas por autores como Sófocles e Eurípedes que compartilham um mesmo enredo comum. Algo, aparentemente sem uma razão bem definida a não ser o desejo dos deuses, levava alguém a perder tudo que tinha.
No mais clássico dos exemplos, Édipo, rei de Tebas, tinha tudo. Um reino, um palácio, saúde, uma linda esposa e filhos maravilhosos. Em um único dia ele perde tudo sem ter feito nada conscientemente errado que justificasse toda a força de sua tragédia pessoal. Descobre que involuntariamente tinha matado seu pai e se casado com sua mãe; deixa de ser rei e perde todas as suas posses; sua esposa/mãe se mata; ele cega-se a si mesmo e, agora dependente da caridade de sua filha mais nova, vaga com ela como pedintes sem lar; seus filhos homens assassinam-se um ao outro simultaneamente, e sua filha mais velha também comete o suicídio depois que se vê sem o direito de enterrar o corpo do próprio irmão.
Para os antigos gregos, a tragédia estava à espreita e cercava a vida de cada ser humano, incluindo os reis. Todos nós estamos suscetíveis a essa realidade que trata o mais rico da mesma forma que o mais pobre. Talvez por isso os gregos precisavam tanto dessas histórias para dar sentido a essa realidade tão sem sentido.
Quando coletivas, as tragédias se tornam para nós o que chamamos de catástrofes. Algumas, como as guerras, nós criamos para nós mesmos. Já as naturais… bom, essas aparecem de vez em quando para nos lembrar dos deuses e de suas agendas para cada um de nós. Talvez eles queiram nos lembrar que tudo que achamos que temos, na verdade não é nosso, e que não estamos aqui para ter, mas para ser.
Como resistir à crueldade do mundo
Em sua obra "Fraternidade: Para resistir à crueldade do mundo", Edgar Morin, um dos grandes pensadores da complexidade, fala sobre os "oásis de fraternidade" que podem ser uma saída para nos ajudar a escapar das consequências do que ele chama de "tentáculos dos poderes tecnoeconômicos". Em face das catástrofes crônicas ou agudas de um mundo globalizado, ecologicamente afetado e cheio de novas ameaças e incertezas para as quais parecemos não ter nenhum controle, o que devemos fazer é o que ele chama de "fraternizar as incertezas". Incentivar e proteger os oásis de fraternidade que emergem como reação ao catastrófico.
Por exemplo, no caso dos velhinhos da Polônia, a pandemia trouxe o que era trágico para o nível catastrófico. Isolados em suas casas e sem nenhuma assistência, deixaram de ter acesso aos serviços de assistência e a tratamentos de saúde. Ou os serviços não estavam mais disponíveis ou era preciso evitar hospitais, farmácias e outros lugares que antes supriam suas necessidades básicas. Ninguém os visitava, não tinham acesso ao digital, eram bombardeados apenas pela cobertura 24hs de mortes causadas pelo vírus na TV. A degradação rápida da saúde física e mental desses idosos era um risco iminente de catástrofe a ser adicionado à própria pandemia em si.
Mas de repente, indivíduos solidários começaram a reagir com ações simples como ir ao supermercado ou na farmácia, passear com o cachorro dos idosos, fazer-lhes visitas ou ligações periódicas, ajudar em tarefas domésticas ou tentar contato com familiares. Ao longo do tempo, diferentes voluntários envolvidos na mesma atitude solidária começaram a se encontrar e formar grupos, ampliando o nível de organização. O contato com a situação em que eles viviam mesmo antes da pandemia os levou a identificar de perto suas carências como, por exemplo, pequenos consertos e reformas nas casas. Fundos foram levantados e uma estrutura social permanente de solidariedade se estabeleceu e se manteve operacional mesmo após o fim da pandemia. A solidariedade fez o ser humano sair da catástrofe melhor do que entrou.
Assim, o futuro pode ser potencialmente trágico e incerto, mas se o ser humano adquirir o hábito de "fraternizar essa incerteza", resistiremos à crueldade do mundo. Enquanto humanidade, quanto mais fraternos formos, menos cruel será o quase inevitável efeito trágico do mundo sobre nós.
A quantidade de histórias trágicas que vemos hoje no sul do país não cria só uma catástrofe, mas a oportunidade de elevar o nível de fraternização do espírito humano. Talvez seja isso que os deuses queiram que entendamos. Se o mal trágico precisa de uma razão para existir, talvez seja a de nos lembrar de que precisamos nos elevar enquanto respondemos a ele. De nos lembrar que, certas virtudes como a solidariedade, só podem ser construídas quando aprendemos a superar o "eu" em nome do "nós".
Resignificando o egoísmo: somos todos egoístas
Egoísmo não é só o que normalmente pensamos: "um apego exagerado aos próprios interesses a despeito dos de outros". Essa é a forma quase que patológica do egoísmo que vemos em pessoas que consideramos disfuncionais. É preciso ir além e entender o egoísmo como uma força que reside em todos nós que nos dá a ilusão que estamos separados do mundo e dos outros. Uma força que o mundo tecnoeconômico contemporâneo atua de forma a intensificá-lo cada vez mais, deixando para trás almas doentes e fracas.
Para essa visão egóica, esse "eu interior ilusório" está em luta constante contra um "mundo exterior", que insiste em se recusar a lhe dar o que supõe precisar. Portanto, tudo que não é útil ou benéfico para mim, e que não atua para minha própria segurança e conforto, é secundário e só deveria ser alvo de atenção quando minha vida estiver resolvida (ou seja, nunca). Esse ego tecnoeconômico firmemente acredita que nossas vidas devem servi-lo. Ele acredita que a vida é um problema a ser resolvido tecnicamente, e que a felicidade (que confundimos como um atributo seu e não das nossas almas) viria desta resolução.
Questões como essa nos jogam em um paradoxo, um complexo com o qual precisamos nos relacionar. Enquanto o mundo tecnoeconômico cria uma tremenda força para o isolamento desse ego que tende a se inflacionar rapidamente; ao mesmo tempo, é só a superação de suas necessidades ilusórias que nos permite dar atenção às necessidades reais do "nós". E são apenas nessas últimas que residem as condições para resistirmos às possibilidades trágicas da vida contemporânea que aumentam no mesmo ritmo do progresso tecnoeconômico.
É preciso sair do "ego para o eco" e a solidariedade é um caminho
Nos tempos atuais, superar o "eu", o "meu", em nome de um "nosso" pode ser difícil, mas será cada vez mais necessário para quem quer se adaptar à complexidade, pois essa não dá chance para esse "eu egóico" que acha que o mundo está sob o seu controle.
A solidariedade é um caminho. A gente pode começar com uma pequena ação como fazer uma doação, ou ir ao supermercado para uma pessoa isolada, ou ajudar na limpeza, em pequenos concertos ou no cuidado de pessoas desassistidas. Em cada pequena ação, há uma vitória do "nós" sobre o "eu egoico", e com ela, um pequeno passo que nos dá esperança de sobrevivência à complexidade que nos cerca.
Agilidade Solidária: Participe dessa Iniciativa
Em algum momento, talvez eu e você cheguemos ao nível de solidariedade das pessoas que estão envolvidas no tremendo esforço de organização e execução do evento Agilidade Solidária, que já arrecadou dezenas de milhares de reais para serem doados às organizações da sociedade civil que estão ajudando na resistência brasileira à crueldade imposta pelas enchentes que destruíram tantas cidades no nosso querido Rio Grande do Sul.
Ainda não doou? que tal dar um primeiro passo e fazer sua doação?
Já doou? Que tal dar um segundo passo e fazer uma divulgação para os seus amigos?
Que tal vislumbrar um dia onde não precisaremos mais de um "oásis de fraternidade" como esse para exercitar a virtude da solidariedade? Utópico? Se funciona em pequena escala, aplicar em larga escala é mais uma questão de dificuldade do que de impossibilidade. Enquanto for só difícil, não será impossível e, portanto, não será utópico e estará ao nosso alcance.