Onde Terminam os Mapas e Começa o Território

A reflexão na Roda de Conversas da Software Zen nesta última semana foi fundo na distinção entre problemas e paradoxos. A conversa que se seguiu não foi sobre encontrar respostas, mas sobre aprender a habitar perguntas melhores.
A semente foi plantada com as próprias palavras do físico e filósofo David Bohm. Elas nos ofereceram a lente para a reflexão:
“Enquanto um paradoxo for tratado como um problema, ele jamais poderá se dissolver. Se a mente tratasse os paradoxos como se fossem problemas reais, ficaria sempre prisioneira deles, pois os paradoxos não tem solução. Cada solução que surgisse seria considerada inadequada e só levaria a novas questões ainda mais confusas. A confusão entre problema e paradoxo existe em todos os planos da sociedade, do individual ao global.”
- David Bohm
Essas palavras nos atingiram com a força de uma verdade sentida, mas nunca antes articulada com tanta precisão. A clareza de que nossa tendência de tratar um paradoxo — uma tensão inerente da qual fazemos parte — como um problema — algo externo a ser eliminado — é a fonte primária de nosso esgotamento. A partir daí, exemplos surgiram naturalmente: a tensão entre conservar o que funciona e criar o novo; como podemos dar autonomia total à equipe e, ao mesmo tempo, sermos os responsáveis finais pelos resultados? Como podemos fomentar a inovação, que exige tempo e aceitação do erro, enquanto a pressão por entregas de curto prazo nunca cessa? Como podemos estar presentes para nossa equipe quando nossa própria carga de trabalho nos empurra para o isolamento?
Foi quando analisamos a dinâmica de uma organização em crise que a anatomia do paradoxo se revelou. De um lado, o "Pólo A" clama por ação imediata. Do outro, o "Pólo B" pede cautela. O que descobrimos, ao olhar mais fundo, foi que esses pólos opostos são dois lados da mesma moeda: a ilusão de controle.
O Pólo A acredita que pode controlar o futuro através de um plano de ação; o Pólo B acredita que pode controlar o futuro evitando o risco por meio da análise. Ambos estão presos no mesmo eixo, debatendo sobre o tipo de controle que possuem, cegos para a realidade do território: na complexidade, o controle é uma miragem.
Essa polarização externa, como um espelho, é um reflexo fractal de uma disputa que ocorre dentro de cada um de nós. A mente se divide, o ego escolhe um lado baseado em medos e desejos, e então constrói racionalizações para justificar sua posição. Ficamos tão apegados aos nossos mapas — nossas opiniões, dados e estratégias — que esquecemos que o verdadeiro desafio não é escolher o melhor mapa, mas aprender a atravessar o território desconhecido.
A grande virada na nossa conversa foi a compreensão de que, em um contexto de alta incerteza, a tentativa de administrar o futuro para evitar o indesejado é exatamente o que nos leva àquilo que não queremos. A saída, portanto, não está em uma decisão "certa", mas em uma mudança fundamental de postura: da busca por controle sobre o futuro para o cultivo da confiança no futuro.
Isso nos levou a uma questão ainda mais profunda: "Como aprimorar um sistema macro se toda ação está no micro, que por sua vez está preso no macro?". A resposta que emergiu foi igualmente fractal. Se o sistema externo é um reflexo de incontáveis estados internos, a intervenção mais potente pode não estar em tentar mudar o sistema "lá fora”, mas trabalhar no único ponto onde temos agência real: nosso próprio estado interior. Como nos ensina a Teoria U, "o sucesso de uma intervenção depende do estado interior do interventor".
Ao invés de tentar convencer os outros, criamos um campo gravitacional através do nosso próprio discernimento e serenidade. Deixamos de ser solucionadores de problemas para nos tornarmos "observadores curiosos" que aprendem com os acontecimentos. Não se trata de uma reclusão passiva, mas de um engajamento ativo com o mundo a partir de um centro de calma, inspirando pelo exemplo e não pela força. Aprendemos que a mudança no todo começa com a integridade da parte.
Sua Vez de Refletir
Ao observar o paradoxo mais desgastante em sua vida, que mapa interno — que crença sobre controle — você está defendendo, em vez de simplesmente viver o presente vivo da travessia do território?