Estratégia para a Incerteza: Construindo os Futuros no Presente

A semana em nossa Roda de Conversas começou com a provocação de um artigo de Jurgen Appelo, que nos convidava a repensar nossa relação com a incerteza. A faísca foi acesa por uma frase em particular, que um de nós compartilhou e que ressoou imediatamente com o grupo:
"Eu parei de fingir que podia prever o futuro e, em vez disso, comecei a construir a capacidade de lidar com a incerteza sobre o futuro. Em vez de apostar em pitch decks e propostas de valor cuidadosamente elaboradas, comecei a cultivar um portfólio de possibilidades e a desenvolver uma plataforma de opções."
- Jurgen Appelo
Essa distinção — entre uma aposta única em um futuro previsto e a construção de uma plataforma de opções para um futuro imprevisível — se tornou o centro de nossa investigação. Para entender sua profundidade, imagine a seguinte metáfora: a estratégia tradicional é como construir uma linha de trem de alta velocidade para um único destino lucrativo. Você estuda o mercado e conclui que a rota SP-Rio é a mais lucrativa. Você, então, investe tudo na construção de um trilho perfeito e um trem super eficiente para essa rota específica. Seu plano é um cenário detalhado para um futuro previsto.
Se sua previsão estiver correta, você terá um sucesso enorme. Mas se uma nova tecnologia disruptiva tornar a viagem de carro mais rápida, ou se a relação comercial das cidades envolvidas se enfraquecer por conta do surgimento de outros pólos, seu plano se tornou um mapa ruim para um território não mais existente. Você apostou tudo em um único futuro.
A abordagem descrita por Appelo, por outro lado, é como construir um aeroporto internacional. Não se aposta no destino, mas na capacidade de decolar para qualquer destino que a demanda futura revelar. O aeroporto é uma plataforma de opções, uma estrutura antifrágil que se beneficia da incerteza, vendo cada evento inesperado como uma nova rota em potencial.
Essa ideia se desdobra em duas frases-chave que vimos no texto. A primeira é: “O futuro pertence àqueles que constroem capacidade, não àqueles que constroem cenários.” Uma empresa de software que constrói cenários aposta tudo em um único nicho de IA. Já a empresa que constrói capacidade investe em equipes adaptáveis, arquitetura modular e processos de experimentação rápida, tornando-se apta a lançar um produto para qualquer nicho que emergir. Ela constrói os "músculos" da organização, não o roteiro da viagem.
A segunda frase redefine a própria noção de planejamento: “Meu plano é estar na melhor forma possível para o que quer que seja jogado no meu caminho.” Aqui, o plano deixa de ser um mapa de entregas e se torna uma espécie de regime de treinamento. Para um líder, o plano tradicional seria entregar os projetos A, B e C. Sob essa nova luz, o plano se torna cultivar segurança psicológica, autonomia decisória e a capacidade de aprender a aprender. O foco muda do que a equipe faz para o que a equipe se torna, garantindo que ela esteja pronta para o projeto A ou para o inesperado projeto Z.
Mas nossa conversa foi ainda mais fundo, percebendo que essa mudança de estratégia não é apenas tática, mas filosófica. A tensão entre o plano e a possibilidade nos levou ao conceito nietzscheano: a "transvaloração de todos os valores". Para Nietzsche, não é apenas mudar de ideia sobre o que é bom ou ruim. É um processo muito mais profundo: é questionar os próprios fundamentos sobre os quais decidimos o que tem valor. É questionar a própria régua com a qual medimos o que tem valor.
Vimos como a verdadeira "Estratégia de Futuros" é um exercício de transvaloração. Uma empresa de energia que hoje mede seu sucesso pela "eficiência na extração de petróleo", para genuinamente se preparar para o futuro, precisa realizar uma transvaloração, talvez adotando como novo valor supremo o "impacto regenerativo no ecossistema". Ela precisa, fundamentalmente, mudar a régua com que mede seu sucesso.
O que Appelo descreve, portanto, é uma estratégia para o domínio Complexo. Ela aceita que as relações de causa e efeito só se tornam claras em retrospectiva. Nesse território, a estratégia deixa de ser sobre desenhar o mapa para o destino final. Ela se torna o ato de construir uma plataforma robusta no presente — uma plataforma de capacidades, de conhecimento, de relacionamentos e, crucialmente, de opções. A estratégia muda do "acertar a previsão" para o "aumentar a nossa capacidade de florescer em qualquer futuro que emergir".
É a troca da busca exaustiva por um ponto final pelo cultivo sereno de um ponto de presença fértil.
Sua Vez de Refletir
Ao olhar para seus desafios, qual é a única grande aposta que você está fazendo, e qual seria a primeira pequena opção que você poderia cultivar hoje para começar a construir uma plataforma mais resiliente?