Como ser eficiente quando precisamos criar algo que não sabemos o que é

Nossa Roda de Conversas continuou a desdobrar as implicações do Pensamento Complexo, desta vez mergulhando em um tema eminentemente prático que toca o dia a dia de qualquer líder de tecnologia: as estimativas. A questão que acendeu o diálogo foi precisa e desafiadora: se usamos projeções probabilísticas com ciclos curtos de revisão, não estaríamos, de fato, abraçando a incerteza e nos adaptando, mesmo que dentro de uma abordagem sistêmica? Onde exatamente fica a fronteira?
A pergunta nos convidou a examinar não as ferramentas em si, mas a nossa relação com a ideia de controle. A resposta de Alisson Vale merece ser compartilhada na íntegra, pois ela articula uma das distinções mais fundamentais entre o paradigma sistêmico e o complexo:
No capítulo 3 do livro eu usei a forma como cada abordagem de estimativa se relaciona com a ideia de controle. Uma das características do sistêmico é o estabelecimento de um projeto de futuro e um caminhar de encontro a ele, gerando a ideia de busca por "controle do futuro" que se assume no sistêmico. Projeções probabilísticas visam saber sobre o futuro no presente.
Para isso, precisam de um sistema estável, que padronize (fluxo), categorize (tipos de trabalho) e quantifique (captura e apuração de métricas).
As propriedades exploratórias do complexo nesse cenário se esvaem. Por exemplo, no complexo, o que é relevante não é o fluxo, mas o aprendizado, então padronização e processualização sistêmica se tornam empecilhos, não um valor. Na pg 192 eu coloco dessa forma:
"a eficiência no complexo não é sobre fazer as coisas mais rápido [nem mais estáveis, com mais previsibilidade], mas sobre aprender mais rápido. Se o Pensamento Analítico busca a eficiência do recurso e o Sistêmico busca a eficiência do fluxo, o Pensamento Complexo busca a eficiência da descoberta. Diante do verdadeiramente novo, a abordagem mais eficiente é abraçar a redundância controlada e o fracasso rápido, pois o custo de seguir um único fluxo na direção errada é infinitamente maior do que o custo de múltiplos experimentos que iluminam o caminho certo."
Então começar uma tarefa e não terminar, implementar algo que vai ser descartado, interromper uma coisa pra fazer outra. Todas essa ações que são um grande problema no âmbito do sistêmico, e que arruinariam as métricas que nos permitiriam ter previsibilidade, no âmbito do complexo tem muito valor se trazem consigo aprendizado ou nos permitem agarrar oportunidades de aprendizado.
Assim, o simples ato de estimar, mesmo que probabilisticamente e apurando o processo de fora, requer seguir uma padronização a priori que desestimula as exatas propriedades que precisamos ver agindo para que a navegação no complexo nos permita encontrar o que buscamos.
O sistêmico também tem adaptação e relação com a incerteza, mas isso é feito por meio da percepção e controle dos ciclos de feedback (que é exatamente o que são as revisões das projeções em períodos muito curtos: ciclos de feedback balanceadores). Mas é uma adaptação e relação com a incerteza bem mais limitada. Especialmente quando precisamos gerar um novo completamente desconhecido em cenários de alta volatilidade, ambiguidade e espontaneidade do territótio em exploração.
- Alisson Vale
Essa clareza nos abriu para um novo entendimento. O debate não é sobre se uma ferramenta é "boa" ou "ruim", mas sobre qual tipo de eficiência ela serve. Projeções probabilísticas são excelentes para otimizar a eficiência do fluxo em um sistema que se busca estabilizar. No entanto, quando o desafio é a eficiência da descoberta — quando precisamos criar algo que não sabemos o que é — a padronização necessária para a previsibilidade se torna uma amarra, não uma ajuda. Atividades "ineficientes" para o fluxo, como um experimento abandonado, são imensamente valiosas para o aprendizado.
A conversa então evoluiu para a prática: como equilibrar o respeito à incerteza com a ansiedade por previsibilidade do mundo corporativo? A abordagem que ressoou foi a de uma dança entre os domínios: usar o pensamento analítico para desdobrar o impacto desejado, estimar um "saco de dinheiro" inicial para dar conforto, e então usar ciclos de feedback para navegar, respeitando a emergência.
Para os desafios puramente complexos, a sugestão final foi ancorar-se em "enunciados de intenção" — que associam uma transformação inspiradora a um indicador concreto — e, a partir deles, lançar múltiplas sondas de aprendizado. Apenas depois que a exploração inicial trouxer clareza é que a iniciativa pode se transformar em um projeto mais estruturado no domínio sistêmico. A jornada é do complexo para o complicado, não o contrário.
Sua Vez de Refletir
Em qual iniciativa atual você está tentando otimizar a "eficiência do fluxo", quando o que a realidade realmente pede é a "eficiência da descoberta"?